Uma das coisas que nos une como raça humana é o gosto por histórias. Desde os antigos contadores de histórias que se reuniam em torno de uma fogueira, até os dias de hoje com livros a mancheia, filmes novos saindo a cada mês, o acompanhamento de folhetins televisivos tem por detrás a paixão por histórias. “Deus criou o homem porque gosta de histórias” escreveu Elie Wiesel.
Nossas amizades mais prazerosas se constroem a partir de histórias em comum. Quantas vezes ansiamos reencontrar alguém que está longe, para podermos contar nossas novas histórias e recontar as velhas que são lembradas vez após vez, sem que jamais cansemos delas. Atreveria-me a dizer que amigos são aqueles que tem histórias para contar juntos.
Aqui no sul o pessoal costuma chamar uma história que não é fato de causo. Por isso nosso tema a partir daqui será casos e causos. Porque vamos contar aqui verdades da vida real e da imaginação. Toda semana vamos postar uma história da qual você poderá se beneficiar e até mesmo se divertir. Eu aconselharia a qualquer pregador, que jamais falasse de qualquer verdade sem que pudesse encarna-la com uma boa história. O verbo virou gente (1) e a palavra que falamos tem vida quando ganha substância através da história. O que são esses ossos secos? Esses ossos secos são tuas palavras sem histórias.
Erasmo de Roterdam percebeu essa realidade com argúcia no seu livro “Elogio da Loucura” quando diz: “… quando o pregador aborda o assunto com seriedade e apoiado em argumentos, o auditório dorme, boceja, tosse, assoa o nariz, relaxa o corpo, inteiramente enjoado. Se, porém, o orador, como quase sempre é o caso, conta uma velha fábula, ou um milagre da lenda, então o auditório logo se agita, os dorminhocos despertam, todos os ouvintes, levantam a cabeça, arregalam os olhos, prestam atenção.” Embora a visão de Erasmo seja negativa, podemos nos aproveitar de suas observações.
Vejamos como a Bíblia é um livro de histórias por excelência. Cheias de significados, essas histórias são utilizadas por diferentes pregadores e revelam diferentes camadas de significados que nos surpreendem. Observe que Natã confronta a Davi com uma história, e se contarmos os livros essencialmente de histórias podemos dizer que mais da metade da Bíblia é constituída de histórias, sem falar em Jesus e as suas parábolas.
Estou lendo um livro maravilhoso sobre a importância de contar histórias (2), cujos pontos principais traduzo aqui:
“Onde a teologia se torna extremamente abstrata, conceitual e sistemática, ela acaba separando pensamento e a vida, fé e prática, palavras e corpo; tornando mais difícil, se não impossível, crermos com o nosso coração o que nós confessamos com a nossa boca.”
“Como a história é a única maneira através da qual a realidade interpessoal da humanidade pode se expressar plenamente cognitiva e afetivamente e como nosso relacionamento com Deus é fundamentalmente interpessoal, segue-se que ouvir e contar historias providenciam os meios mais apropriados de capacitar-nos a viver nesse relacionamento.”
“A teologia sistemática envolve o intelecto; contar histórias envolve coração e a pessoa como um todo. A teologia sistemática é a reflexão posterior sobre a história de Cristo; a história é a primeira expressão de Cristo.”
“Proposições são frases em uma página; histórias são eventos na vida. Doutrina é o material dos textos; história é o sumo da vida.”
Sobre as características das histórias ele escreve também:
Histórias provocam curiosidade e nos estimulam repeti-las.
Histórias nos unem aquilo que temos em comum na existência.
Histórias são uma ponte para nossa cultura e raízes.
Histórias nos ligam com toda a família humana na terra.
Histórias nos ajudam a lembrar.
Histórias restauram o verdadeiro poder da palavra.
Histórias providenciam um escape para nossos problemas.
Histórias evocam em nós imaginação e ternura.
Histórias promovem cura.
Histórias providenciam um fundamento para esperança e a ética.
Nesse ponto eu já estou achando que é melhor acabar essa conversa e mandar logo a primeira história de casos e causos: a história de Marta e Fred.
Fred e Marta voltavam para casa após um culto na igreja.
– Fred – disse Marta -, você notou que o sermão do pastor foi um pouco fraco hoje?
– Não, realmente não – respondeu Fred.
– Bem, então você notou que o coral estava desafinado?
– Não, não notei – ele respondeu.
– Com certeza você percebeu o jovem casal com os filhos bem na nossa frente fazendo todo aquele barulho e tumulto durante o culto inteiro!
– Desculpe, querida, mas não notei.
Por fim, com desgosto, Marta disse:
– Honestamente, Fred, não sei por que você se dá ao trabalho de ir à igreja!
Um abraço quebra costelas.
O discípulo gaudério.
(1) João 1
(2) Storytelling Imagination and Faith de William J. Bausch