“como cordeiro, mas que falava como dragão.”
Apocalipse 13:11
Estes dias encontrei na rua um amigo querido. Há muito queria vê-lo e conversar um pouco. Apesar de muitos amigos em comum faziam meses que não nos víamos. Ao acaso nos encontramos e o diálogo foi mais ou menos assim:
– E aí tchê, por onde andas que não consigo falar contigo? Nem nas festas te vejo mais!
– Difícil, pastor, muito trabalho.
– Tá, mas e à noite não dá para dar um tempo do trabalho?
– Difícil… Segunda tenho reunião de casais, terça de líderes, quarta treinamento, e…
E então ele foi tecendo um naipe de reuniões para cada dia da semana. Por sua aparência podia perceber certo cansaço.
Sei o que é isso. Já confundi exaustão com serviço fiel ao Senhor. “Melhor gastar-se nas mãos de Deus do que enferrujar na mão do diabo.”
O problema dessa pequena heresia são os desdobramentos, tão nocivos quanto um ensino doutrinário equivocado. Os discípulos deixam de ser igreja, para fazer igreja. Como todo aparelho de trabalho transformam-se em seres maquinais: repetitivos, previsíveis e sem vida. É a igreja narcisista, fascinada com sua própria imagem.
A igreja narcisista cria discípulos para andarem em volta de suas próprias atividades. Não há espaço para trabalhar e testemunhar, para comer e testemunhar, para alegrar-se e testemunhar, assim como Jesus fez. Na cabeça dessa gente ministério é tudo que você faz dentro do templo. Nesse contexto convém que templo seja prédio, que vida espiritual seja reunião, que o Reino seja minha denominação e a contagem valha mais que a pesagem.
Não sabem que culto é treino, e o jogo é na vida.
A igreja narcisista não tem horizonte, apenas umbigo. Pelo discurso você tem impressão que estas comunidades presumem que só elas evangelizam, só elas têm visão e tudo que fazem é excelente e único. Temas como missões transculturais, igreja perseguida, serviço social raramente são mencionados.
A igreja narcisista também é viciada em adrenalina e assim como Marta acaba por dar ordens a Jesus. (1) O ativismo traz um sentimento de onipotência inconsciente que faz com que andem na frente de Deus. Não caminham mais por direção, mas por compulsão e acabam inequivocamente fazendo coisas que Deus não chamou-as para fazer.
Por fim a igreja narcisista se torna pirata. Por perder contato com os não crentes e por estar comprometida com a economia de mercado onde os números dizem tudo, e por eles vale tudo, o que lhes resta são outros crentes. Como a denominação pressiona por números estratosféricos, sua atenção se volta para o trabalho mais fácil de seduzir amigos de outras igrejas. O cerne da mensagem é que: nosso pastor é melhor pregador, nós encontramos a fórmula para produzir mais milagres por metro quadrado, nós temos mais visão e nossa estrutura é mais convidativa. Em suma, uma traição ao evangelho.
Qualquer comunidade pode ficar assim. Basta a liderança não pensar, ou sucumbir ao desejo de grandeza humano e as pressões da cultura vigente a levarão de roldão para o abismo das marionetes que repetem bordões denominacionais.
Basta substituir os evangelhos por um manual qualquer como referência máxima. Basta usar o nome de Jesus apenas como avalista de todas as ações e não o exemplo a ser seguido.
E então em lugar de vida em abundância os membros experimentarão um após o outro o esgotamento espiritual que poderá vaciná-los para sempre contra a igreja.
Deus nos conceda o discernimento para diferenciar cordeiro e dragão.
Um abraço quebra costelas.
O discípulo gaudério.
(1) Lucas 10:38